segunda-feira, 31 de maio de 2010

PRELÚDIO DO FINDAR



Quando me olhares
Estarei frio e triste,
Esparzido sobre mim, a remendar
Reminiscências convalescentes
De minha utopia.
Estarei conformado com a
Inconformável austeridade

Do labor
Das religiões
Das tradições calcantes.

Das minhas mãos transbordará gotículas
Do galardão improfícuo,
Molhando o assoalho das diretrizes.

Encontrarás-me à atalaia daquela
Sombra que se esconde sob o tapete mofado
De incertezas vindas dum aquário vazio
Ao lado do meu pudor.
Assim me encontrarás.
Assim me olharás.

Despido do senso comum,
Tentando me ensimesmar no parapeito
Da morte soberba.
O que é a morte senão
O desvencilhar-me do casulo
Que me impede o vôo?

O quadro será outro.
Uma pintura com outras cores.
Frio.
Frio e triste.
Voarei sem me preocupar com condutas,
Com o dinheiro no fim do mês
Com a decoreba
Com doutrinas
Apenas voarei.

ANDERSON COSTA

MISSA DE SÉTIMO DIA







O plenilúnio lá do quintal sussurrou
Ao meu ouvido a profundidão
Das músicas de Rachmaninov,
Criando destino ao talante
Da fremente lagartixa à atalaia.

Lá na porta há o vício do dominó

Recheado de mexericagem, com
A cambaleante luz do poste
Entendiado por ser um poste.

Mas aqui,
Aqui onde as virações do cais
Adormece no assoalho,
Neste assoalho de têmporas tenazes,
Há o bruxuleante entorpecer das
Badaladas do sino da Igreja do Desterro.

É missa de sétimo dia da personalidade.

ANDERSON COSTA

PORTA ENTREABERTA


A porta está entreaberta,
Há cânticos silentes vindo dos
Atavios suburbanos.
Debalde.
Debalde.
Palavras caladas no alicerce
Incolor das estátuas reverberantes,
Proprietárias da hermética de um vôo
Insípido.

A porta está entreaberta,
Vejo resquícios de sombras e
Sons de alaúde,
Numa busca constante da
Melodia inconstante,
Concerto. Conserto.
No eixo de um betume
Cínico. Cinéreo.
Cineriforme. Cem.
Sem cinese.

A porta está entreaberta,
E eu a buscar o destino
Do livre-arbítrio à velocidade
Do talante sob as asas da
Libélula frenética de frêmitos
Tortos qual objeto direto
Interno pleonástico.

A porta está entreaberta,
Musgos nauseantes bebem
A sequidão do meu deleite
Vazio.

A porta está entreaberta,
Há uma porta entreaberta,
Sempre haverá uma porta entreaberta.

ANDERSON COSTA

OH! MINHA CIDADE



Estou sobre gritos angustiantes
De lassidão.
Lavo o rosto,
A turvidão persiste,
A fome agasalha os indigentes
E as lágrimas descem brincando
De cachoeira na
Queda de um abraço.

Nos buracos das ruas
Está escondida a
A fraternidade.

As ladeiras das ruas fervem
Por emoções, com os
Gringos nos bares respirando
A tranquilidade
Dos trabalhadores assíduos,
Inquietos, devorados
Pela infra-estrutura malevolente

De uma cidade cativa.
Oh! Minha cidade!
Oh! Minha cidade!
Por quantas tardes
Vais matar saudades
Lá no bairro da Liberdade?
Lá nas palafitas que
Guardam tesouros de
Um degredo embalado,
Onde as crianças brincam
De serem crianças
Nas tardes chorosas
De inebriante estio,

Com a educação do lixo
E o ósculo da penúria?

Ai! Minha cidade!
Ai! Minha cidade!

As palafitas te resumem.

Anderson Costa

QUE SEJA BREVE


Breve!
Que tudo seja breve!
Que o mas, porém, contudo, todavia, não obstante, sejam breves!
O guarda-roupa ainda guarda
Um pouco do que é árido
Neste quarto com mobílias.

Que sejam breves!

Sem folhear a umidade das paredes
Desconforto-me com o que há lá fora.
Que seja breve!

Que seja breve o consumismo.
Minha barriga funda cochila
Contígua ao shopping.

Atrás da secretaria há a conspurcação.
Que seja breve!
Breve!
12 meses, um ano.
Um dia, 24 horas.
Bem contadinho...
6 horas para dormir
40 horas semanais de faina.
Que seja breve!
IOF,
FGTS.

Anderson Costa

domingo, 30 de maio de 2010

ONDE ME ACHO?


Um retrato
Badulaques multiformes.
Quinquilharias desconformes

No ínclito caleidoscópio de
Fervores amenos

No tilintar político
Do voto eleitoral.
Cidadão ou indigente?
Leis intransigentes.

Uma sociedade de pormenores.
Escopo aleatório.
Fila única,
Burocracia.

Minha vida
Hirta,
Resumida em
Documentos,
Papeladas,
Papelagem,
Aragem num arabesco.
Que aflição!
Tardes de reuniões.
Ver o arrebol?
Não! Responsabilidades e obrigações.
E então?
E então?

Arrasto-me ao chão
Tombado.
Carrego o patrimônio público.
Patrimônio.
Não público.

Alvorecer de sindicatos,
Salários atrasados.
Coesos?
Esgarçados,
Chovendo salafrários.

Onde me acho?
Onde me acho?

...minúcias sintéticas
do orvalho pecunioso
embala choros terceirizados
dum sistema desgarrado...

Todos os dias nascimentos,
Ao relento,
Crianças que
Morrem.

Mortalidade infantil
Suplanta herbáceas
No leito.
Ali, um aborto.
Sons absortos
Dum concerto sem rosto.
Crianças liliputianas.
Fugazes.
Condições miseráveis.

Um trago a rolar
Na sala climatizada,
Uísque que mata a avidez
Desnecessária.

Águas invadem arrabaldes.
Recém-nascidos já nascem com fome.
Comem barro sem alho,
Sede? Águas do vaso.

Onde me acho?
Onde me acho?

Se estudo trabalho.
Se não.

Vigio carro.
Bem-me-quer?
Mal-me-quer?
Anderson Costa

sexta-feira, 28 de maio de 2010

MOMENTOS MEUS

Encontro-me embebido pelas garras do
Sistemático e do preceito,
Um granjear do estável, só,
Na soturna noite ignota sem
A fomentação do errante,
Sem a fomentação do que me instabilizará.
Demasiada propensão ao desvario ecumênico
E à inércia já estafada do paradoxo.
Vejo meus companheiros ao lado,
Embotelhados e com as asas cortadas pelos
Ditames que soçobram impiedosamente
Os fincados e arrogam as formalidades.
Sinto-me afundando com pachorra.
Estou a afundar pela empáfia transcendental
Da conveniência.

Anderson Costa

ANDANÇAS


Minhas andanças sigilosas estão nalgum
Pasmo unilateral.
Não me sinto, mas sinto o que sinto
Sem vontades.
Uma vida desconforme sob herbáceas do Sertão.
Melancolia que apodera pés rachados.
Barbeiros beijam com paixões inebriantes
Rostos sem faces dum espelho quebrado.
Cactos transeuntes adoçam o líquido fel das
Andanças infindas, sem porventuras.
Abutres transcendentes bebem as brisas do
Mar seco sedento por sequidão, sem vísceras
Minuciantes, atrelados ao porvir.
Casas de barro, amargo, sem prados.
Degredo de esperanças inconvictas,
Solidão que declama sentada sobre um
Açude sem máculas, com açucenas triviais
Sem leitos de esperança.
Meninos e meninas desvestidos da didática,
Das fórmulas, da ciência.
Um único candeeiro, frio, lúgubre,
Sobre a mesa que namora cupins toscos e frementes.
Dorme sobre o sofá vetusto resquícios do seio social.
Mãos queimadas pelo sol rigoroso.
Terras molhadas, opacas, que deterioram as putrefações
Regozijantes.
Andanças.
Minhas andanças em calhaus íngremes da sede.
Uma fotografia em preto e branco, de matizes sinuosas
No respaldo dum cachorro sarnento do menino sujo.
Meus pés calçados a caminharem sobre o chão tenro
De modéstia plenipotência.
Vidas resumidas no Sertão esquecido, uma sujeira varrida
E posta no canto da civilização.
Não me esqueças Sertão.
Minhas andanças me levam a ti.
Benfazejas são tuas crianças e animais e cruzes.
Cactos que inspiram pinturas.
Portentoso Sertão numa foto em preto e branco

ANDERSON COSTA